Para além do viés…

Tulio Custódio
3 min readJun 27, 2019
Foto campanha The Look
The Look

O vídeo “The look” de uma campanha feita pela P&G é uma peça que vale a pena ver. Vale lembrar que a P&G já possui vídeos anteriores que vão nessa pegada, como o “The Talk”.

The Talk

No caso de The Look, É interessante ver a representação de um homem negro para discussão de preconceitos (o que informa o viés) e discriminação (o olhar e movimento dos corpos em negação à presença e reconhecimento da presença daquele homem negro).

O vídeo é ótimo. MAS, para vê-lo com olhar mais crítico, acredito que vale levantar dois pontinhos:

  • É interessante enxergar que o “traço de humanidade”, ou exercício empático com o qual se propõe à audiência para o personagem passa pelo intersecção de raça e classe. O lugar que ele ocupa na sociedade (como um juiz, ou seja, alguém em cargo de alta hierarquia social de prestígio) parece destoante do tratamento que ele recebe, e alça-lo no final como “juiz” menos ajuda que atrapalha. O reconhecimento de sua humanidade fica atrelado e essa posição, e as demandas que a luta anti-racista sempre colocaram é a possibilidade de existir “sem ressalvas” (mesmo que, sabemos nós, tais ressalvas não garantam nenhum tipo de inserção plena). Ou seja, a condição de juiz (ou de classe/ posição) não deveria ser a garantia de que o personagem merecia um OLHAR mais cuidadoso e humano das pessoas que aparecem nas diferentes situações nas quais ele aparece sendo discriminado. Ah, isso nos leva ao segundo ponto…
  • O tema viés inconsciente está ali, mas não é a única resposta sobre o vídeo. Precisamos chamar as coisas como elas são, e o que ocorre ali é discriminação! O que vemos são pessoas AGINDO, RESPONDENDO a partir de gestos, movimentos e ação, inclusive simbólica, à presença de um corpo negro, ou seja, a uma dinâmica racializada. Nesse sentido, apesar de viés ajudar a entender como que julgamentos pré-racionalizados ocorrem, embebidos em uma cultura da supremacia branca colonialista, o OLHAR (título inclusive da peça) já é uma prática discriminatória. O Olhar é um movimento, uma ação, e ele não pode ser minimizado ou “encoberto” pela ideia de viés.

É importante sublinhar isso pois muitas vezes usamos o debate (cada vez mais pertinente e ganhando atenção e corações no mercado) de viés como uma grande guarda chuva, que encobre uma realidade desconfortável que deve ser nomeada como ela o é: racismo, machismo, classismo, lgbtfobia, entre outros. Uma das forma de mudar as coisas que acreditamos não serem boas é compreendendo e nomeando elas como de fato o são.

Dito isso, vale a pena ver essa peça e entender que diversas pessoas são seus marcadores (como raça, gênero, classe, sexualidade, condição física) que “chegam antes” da oportunidade de a pessoa falar qualquer coisa ou simplesmente se colocar, e destilam uma série de preconcepções e arbitrariedades de julgamento. E isso é muito desconfortável de se reconhecer em sociedade, mas é uma realidade que precisamos lidar. E mudar. Sejam os gestos, os olhares e principalmente a forma de pensarmos a tudo e a todos.

#TalkAboutRacism #ChamePeloNome #SayitsName #CombateaDiscriminacao

--

--

Tulio Custódio

Sociólogo, Sócio e Curador de Conhecimento na Inesplorato. Mais: about.me/custodta ;)